quinta-feira, 15 de março de 2007

A Ira das Ruas

As pessoas não estão acostumadas a encontrar quem assuma os erros que comete. Isso é particularmente evidente no trânsito das cidades grandes, onde pedestres, motociclistas, ciclistas e, claro, motoristas, disputam as vias de tal forma que parecem inspirados pelos filmes de Spike Lee. Nesse ambiente, um pedido de desculpas, o que é raro, tem o poder de "desarmar" seu interlocutor e evitar o pior.
Aconteceu comigo recentemente. Quinta-feira, 18:30 h, volta prá casa, trânsito chato. Num momento de distração esbarrei meu velho corsa no veículo à minha frente, um astra. Calmamente procurei um local prá estacionar, enquanto praguejava interna e incessantemente minha sorte. Desci do carro. O motorista do astra, um senhor magro, aparentando uns 35, também desceu praguejando, só que num volume absolutamente desproporcional à gravidade do problema:
- PORRA MERMÃO, TU É CEGO?! NUM OLHA POR ONDE ANDA NÃO?!
Diante da situação não vi alternativa, senão assumir, sem resignação a merda que acabara de cometer, antes que aparecesse algum agente de trânsito pra "mediar" o fato e complicar ainda mais o meu final de dia.
- Tudo bem. Não esquenta, eu pago seu prejuízo. Me desculpa, sinceramente.
E ele, já com o tom de voz mais baixo:
- Rapaz, como é que cê faz uma coisa dessas, ó, quebrou a lanterna. Sabe quanto custa uma dessas?
- Olha, já disse que vou pagar. Ficar aqui parado não vai resolver nada.
Depois de alisar várias vezes a traseira do seu veículo, resmungando e procurando por outros possíveis danos, finalmente o cara se dispôs a ir comigo numa oficina de lanternagem de sua escolha. Felizmente achamos uma aberta, onde pude acertar tudo sem maiores consequências, exceto pro meu já combalido orçamento doméstico.

Fiquei imaginando, como tudo poderia ter sido, caso entrasse no mérito da discussão. É nessas horas que agradeço por ter tido uma boa educação.
Há uns dois anos tive outra experiência parecida, porém menos traumática pro meu bolso.
Ao estacionar meu carro na porta da locadora, não vi uma bicicleta que vinha passando, no exato momento em que abria a porta. A ciclista, uma mulher de aparência humilde, conseguiu frear, mas não antes de bater levemente na porta do carro. Não chegou a cair, mas ao se recompor do susto já foi me dirigindo o mesmo sermão anterior:
- TÁ CEGO?! TÁ DOIDO!! BLÁ, BLÁ, BLÁ...!
- Me desculpa! Tá tudo bem com a senhora?
- AH, É?! E SE EU TIVESSE CORRENDO? E SE EU TIVESSE QUEBRADO UM BRAÇO OU UMA PERNA?
- Ainda bem que não aconteceu nada disso. Desculpa, tá? E a bicicleta quebrou algo? A senhora não quer ir pro pronto-socorro?
Parece que ela não ouvia nada do que eu falava.
- Ah, tem que ter atenção...bla, blá,blá!
- Minha senhora, já pedi desculpas. Não aconteceu nada com a senhora nem com a sua bicicleta ou com o meu carro. O que a senhora quer que eu faça?
Ela olhou prá mim, depois olhou em volta, como que procurando um motivo prá continuar a discussão e, na falta disso preferiu fazer o mais sensato:
- Tá bom, tá bom. Tá desculpado!
- Muuuito obrigado!Tenha um bom dia.

Obviamente, nem sempre estou errado, mas mesmo nessas horas prefiro manter o bom senso e procurar não ser presunçoso. Afinal, é como diz a frase: "Preocupe-se mais com seu caráter do que com sua reputação. Caráter é aquilo que você é, reputação é apenas o que os outros pensam que você é."

PS: Engana-se quem acha que esse comportamento agressivo no trânsito é uma exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos eles até nomearam esse fenômeno de "road rage" que, traduzindo é o título desse post. Tem até um episódio dos Simpsons, sobre o tema.

Um comentário:

  1. Cara , aconteceu comigo o mesmo no caso da bicicleta só que foi com um taxi.

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Permissão concedida! Por enquanto...